domingo, 24 de outubro de 2010

Considerações sobre a não propriedade da criança



Há meses descobri que serei mãe, tá...e agora, Fabiana? Onde o discurso alcança a prática?
Ainda me vejo bastante conservadora quanto minhas considerações do que gostaria para esse pequeno rapaz (leia-se Santiago). Ele vem de uma relação de muita amizade e companheirismo. Isso, isso mesmo, não poderia ser de um casamento então?!
Eu sei, brincadeirinha cruel a minha.
O pai, sabe que ele é o pai, não preciso eu afirmar aqui essa condição triangular.
Mas o fato realmente é que eu precisava expressar algumas coisas acerca do que acredito ser uma das grandes crueldades do mundo moderno que é a propriedade da criança e esta sendo encoberta por um véu de "amor e cuidado".
Do que estou falando? Bueno, camaradas. "Dar a vida" não significa que você tem a posse sobre aquela vida. Vamos a dois aspectos estranhos:

O egocentrismo:
Nas cerca de 600 instituições brasileiras destinadas a adoção,cerca de 64% das crianças são negras, entretanto, "segundo dados divulgados pela ONG Associazione Amici dei Bambini (Ai.Bi), 72% dos brasileiros preferem adotar uma criança branca, destes, 67% querem que seja um bebê com cerca de 6 meses, sendo que 99% efetivam a adoção de crianças com até 1 ano de idade. Entre os estrangeiros, 48% aceitam crianças com até 4 anos e cai para 13% o número de pessoas interessadas em crianças com a pele clara."

A posse familiar é um dos reflexos de nossa condição que considera tudo propriedade:
"O relatório da ONU também revelou que das 218 milhões de crianças que trabalham no mundo, segundo as estimativas, 126 milhões fazem tarefas perigosas.

Entre elas, 5,7 milhões são forçadas a trabalhar em condições de escravidão por contração de dívidas, 1,8 milhão se prostituem ou são exploradas sexualmente, e 1,2 milhão caíram nas redes de traficantes de seres humanos.

O estudo indica que as 8 milhões de crianças que vivem em orfanatos e centros de readaptação social são um dos grupos mais expostos à violência física, que pode ter como conseqüências atrasos no desenvolvimento, incapacidade, dano psicológico irreversível e tendência ao suicídio."

Estes são os dados mais rasos que encontrei na minha ansiedade por escrever, mas acredito que estejam bem próximos da realidade, até com uma pontinha de suavidade, se é que se pode achar isso suave?

Bueno, a questão é: as crianças também estão a venda! A imagem do filho ideal, branco, fofinho, pequenino, dependente é afirmada pelos números sobre adoção no Brasil. Os pais não querem ser os cuidadores apenas até seus filhos poderem andar com seus próprios pezinhos, não querem ser apenas mais uma fonte de aprendizado como são a rua, os amigos, a escola, as pessoas com quem convivemos ao longo da vida, eles querem determinar do nascimento até a vida adulta quem eles estão "formando". Pra que então a maternidade? Pra que então a paternidade? Estamos pondo uma pessoa no mundo ou (im)pondo nosso mundo ao nosso "milagre da vida"? hehehhe
Acho que os pais querem viver, muitas vezes, uma outra vida através de seus filhos. Isso está longe de ser amor, é sentimento de posse, cobrança e propriedade.

Quanto aos dados sobre a violência infantil, acredito que estes sejam fruto primeiro da própria condição de exploração capitalista que vivemos, e não estariam as crianças livres disto. E não são as "letras da lei" que proporcionariam outra realidade, que o diga o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Em segundo, a condição de exploração sexual, exploração do trabalho infantil, ou de violências de outro fundo, estão todas ligadas a idéia de que as crianças são propriedade, são objetos, até mesmo por suas condições físicas e de experiência de vida ainda em construção.
As crianças são objetos dos pais, do Estado, da sociedade, são propriedades, portanto, podem ser utilizadas de acordo com os interesses de quem tem acesso a elas. São elas que sofrem com as neuroses adultas, com as limitações da família monogâmica, com sua crescente erotização e adultização do sexo de mercado. Sofrem também com um mercado que descobriu que através delas pode entulhar os pais de expectativas e produtos desnecessários. Estão todas expostas as mais variadas violências sob a justificativa de que somos nós, os adultos, que sabemos o que elas querem, precisam e são.
Não pense que quando meu filho tiver 3 anos vou lhe perguntar se ele quer entrar em uma faculdade pública ou ir para uma pracinha? Não vou lhe fazer perguntas difíceis assim (riso). Mas sei que sou sua amiga, orientadora, companheira, mãe, mas jamais sua dona, que tudo terá seu tempo e ritmo, nem sempre coordenado por mim.
As crianças não são nossa propriedade, nossos brinquedos de adultos, não temos o direito de fazer delas nossos ratos de laboratório, nem naquilo que nos parece progressista, nem no mais conservador dos atos.
Ahhh, se os artigos 15, 16, 17 e 18 do ECA fossem realmente efetivados...? Abraços revolucionários,

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